sexta-feira, 11 de julho de 2008

4 qualidades que qualquer texto deve possuir

Lendo.org Quando escrevemos, o principal objetivo deve ser — ao menos na maioria das vezes — a plena comunicação com o leitor. As qualidades de um texto são fatores que determinam a facilidade com que o leitor poderá interagir e criar significados a partir daquele conjunto de sentenças. Essas qualidades são, essencialmente, os elementos da língua que estão à disposição de quem escreve.
Paulo Guedes, em seu livro Da redação escolar ao texto - um manual de redação (2002) define 4 qualidades que qualquer texto deve possuir: unidade temática, objetividade, concretude e questionamento.
Unidade temática
Todo texto deve apresentar apenas uma idéia predominante. Não importa o quanto complexo ou simples o texto possa ser, a partir do momento em que as idéias começam a misturar-se, o leitor sofre um lapso de entendimento imediato. É impossível criar um texto que dê conta de tudo. Precisamos definir e desenvolver uma idéia central, caso contrário, o texto não passará de uma lista mais ou menos ordenada de pequenos dados quase sempre incompletos. Exemplo de texto sem unidade temática
Eu
Meu nome é Aline. Tenho dezoito anos. Sou uma pessoa recatada diante de estranhos. Porém, quando estou em companhia de amigos, me sinto à vontade para expor minhas idéias. Sendo aberta somente com estes, com os demais mantenho certa discrição. Admiro a justiça e fico chocada ao ver alguém sendo desprezado. Adoro me divertir: ir a festas, assistir filmes, escutar músicas, bater um papo saudável. Gosto também de ler e muitas vezes de ficar só, pensando na vida. Detesto depender de outros na realização de minhas tarefas. Outra coisa que me realiza é dar aulas para crianças porque, como todo ser humano, gosto de carinho, e elas são muito afetivas. Exemplo de texto com unidade temática
O rio e a serpente
Meu nome é Semíramis Deusdedith. Quando era criança, morria de inveja das Marias. Achava injusto ter de carregar sozinha um nome tão grande e esquisito. Mais tarde, já adolescente, comecei a pensar que talvez ele encerrasse uma espécie de presságio. Quem sabe eu não seria um dia, também, uma grande mulher? Comecei, então, a sonhar em tornar-me uma mistura bombástica de mulheres como Jane Fonda, Simone de Beauvoir e Leila Diniz. Aceitava o convite de John Lennon para imaginar um mundo diferente e adorava-me assim, na primeira linha, entre aqueles que lutariam pela vida e os direitos humanos. Hoje, encontro-me demasiado ocupada procurando cumprir a difícil tarefa de ser eu mesma. De forma que o projeto de mulher do século ficou para, quem sabe, uma próxima encarnação. Minhas contradições são idas e vindas através das quais vou, aos poucos, transformando-me numa pessoa inteira. Acredito no questionamento dos valores estabelecidos, na irreverência criativa e que o pensamento lúcido seja, não só revolucionário, mas também a chave da autonomia. Neste ano completo meu trigésimo aniversário. Sou uma mulher comum, uma mulher do meu tempo. Meu nome? Acho-o simplesmente sibilante como uma serpente e longo feito um rio.
Concretude
Nós desenvolvemos nossa capacidade de abstração bem depois de termos aprendido a ler (Leia sobre as fases de desenvolvimento da leitura). Por essa razão, entendemos muito melhor as idéias concretas. Um texto com concretude permite a criação de significados de uma forma muito mais fácil por parte do leitor. Falando de coisas específicas, de particularidades, de diferenças, explicando fatos, ações, dando exemplos, pequenos relatos de situações ocorridas, ilustrações, analogias e comparações, obtemos um texto com concretude. A falta de concretude é caracterizada pelo uso de lugares-comuns, noções confusas, expressões vagas e genéricas. Exemplo de texto sem concretude
Eu
Um jovem de dezessete anos, incerto de seu futuro. Alguém que sempre busca o melhor para todos, mas às vezes tropeça e faz o pior de tudo. Uma pessoa que se emociona e pára para chorar na distância de outro alguém. Às vezes inconstante, incerto, indeciso. Idealista, acredita que todas as histórias podem ter um final feliz; desilude-se a cada derrota, seja de quem for, mas irradia-se de felicidade com uma pequena vitória. Teimoso, toma por certo o que todos lhe dizem ser absolutamente errado, traça os mais absurdos caminhos. Muitas vezes egoísta, individualista: abandona suas convicções para não perder algo que conquistou materialmente. Exemplo de texto com concretude
Quando crescer (trecho)
É interessante como as cabeças das pessoas mudam com o passar dos anos. Quando criança, só desejava sair viva da escola, e poder chegar em casa sem levar uma surra por ser a mais feia e moreninha dentre todos os meus colegas. Após vinte e seis anos desejo coisas diferentes, o motivo com certeza é a vida que tive, esse modo de viver que me moldou. Filha única de pais separados, tive muito pouco contato com meu pai, viajava esporadicamente para visitá-lo, e minha mãe, preocupada em dar tudo que podia para sua filha, vivia mais no trabalho do que em casa. Resultado: cresci acompanhada pela televisão. Meus gostos foram influenciados pelos filmes e personagens que eu gostaria de ser na vida real, até o modo de falar eu procurava trabalhar, para ficar cada vez mais refinado. As roupas, então, não tinha muita opção, a falta de recursos impossibilitava a imitação, mas determinou meu estilo.
Objetividade
Talvez a principal qualidade de um texto. Ser objetivo significa ir direto ao ponto, apresentar as idéias claramente de forma que o leitor possa entender o mais rápido possível, sem distrações. Um detalhe importante que deve ser observado é que ser objetivo não significa ser “curto”. Veja:
Um homem forte entrou na sala diz muito menos do que Um homem entrou. Segurava uma bengala e, por alguma razão, quebrou-a ao meio como se fosse um pequeno galho de árvore. Você precisa ser curto, sem ser curto, entende? Não, né. Faltou concretude na última frase ;) Mais exemplos, então. No texto que segue as palavras que designam conjuntos indefinidos tornam o texto tão pouco específico que qualquer significado pode ser atribído a ele; não nos diz nada de concreto. Repare em: pessoa, situações, acontecimentos, maneira, mesmos, conseqüências, opções. São palavras que expressam conjuntos muito amplos, grupos gerais de conceitos. Exemplo de texto sem objetividade Considero-me uma pessoa otimista, apesar de que muitas situações e acontecimentos que se sucedem, não somente comigo, diretamente, mas com outras pessoas, e mesmo alguns de âmbito mundial me forcem, não raras vezes, a pensar de uma maneira negativa a respeito dos mesmos ou de suas possíveis conseqüências. Sou otimista, apesar de tudo, porque acredito que uma pessoa pode, muitas vezes, escolher qual o caminho seguir. Sendo assim, há, não raro, opções; cabe a cada um escolher o melhor entre elas. O texto precisa apresentar uma questão, convidar o leitor a ajudar a solucioná-la e, ao mesmo tempo, percorrer os caminhos que podem levar a essa solução. É preciso que o texto considere o tema como um problema a ser resolvido, ou pelo menos, equacionado, com um questionamento que possa afetar o leitor, agradando-o ou não. Exemplo de texto com questionamento
Autodefesa (trecho)
Uma tarefa a cumprir sempre faz com que busquemos uma série de alternativas para concluí-la. Acredito que, quanto mais desafiador é o trabalho, maior é o número de hipóteses levantadas para a sua realização ou maior o tempo durante o qual nos ocupamos em devaneios à procura da solução mais criativa ou da idéia mais segura. Em resumo, apresentar-se não é tarefa das mais simples, considerando-se, além do constrangimento evidente, o fato de que esta mão esquerda habituada aos exercícios de caligrafia, sente-se muito desconfortável no exercício de juntar estes signos para falar da pessoa a que pertence. Antes que as ponderações se tornem enfadonhas, apresento-me: Flávia, 20 anos, canhota (como o leitor mais atento já teve a oportunidade de constatar no parágrafo anterior), professora, grupo sangüíneio A positivo, estudante de Pedagogia, apaixonada pela vida, nativa de Escorpião, bailarina, tricoteira, freqüentadora dos cinemas nos fins de semana e dos bares do Bom Fim (entre outros), simpatizante da ideologia da esquerda, apesar de detestar multidões e cultivar um monte de hábitos burgueses, preferências alimentares alternativas que agregam os prazeres da carne, a degustação de bebidas alcoólicas e o rigor da alimentação macrobiótica, motorista sem habilitação, irremediavelmente romântica e sempre preocupada com as opiniões alheias. Acabo de confessar um pequeno tormento cotidiano, responsável pelas longas explicações e justificativas presentes em quase tudo o que digo ou escrevo.
Conclusão
Depois de tantas regras e exemplos, ficamos pensando se realmente é possível criar um texto que possua todas essas qualidades de uma forma harmônica. A resposta é: sim, mas talvez não precise. Digo isso porque é muito importante conhecermos as qualidades de um texto e os modos de torná-lo atraente. Mas o objetivo de quem escreve é conhecer essas receitas e regras de tal forma que seja possível quebrá-las no momento certo.
Que outras técnicas você utiliza na hora de criar seus textos?

sábado, 13 de outubro de 2007

30 Mandamentos para ser Leitor, Escritor e Crítico

Yiu Rojas

Decalógo do leitorPor Alberto MussaI - Nunca leia por hábito: um livro não é uma escova de dentes. Leia por vício, leia por dependência química. A literatura é a possibilidade de viver vidas múltiplas, em algumas horas. E tem até finalidades práticas: amplia a compreensão do mundo, permite a aquisição de conhecimentos objetivos, aprimora a capacidade de expressão, reduz os batimentos cardíacos, diminui a ansiedade, aumenta a libido. Mas é essencialmente lúdica, é essencialmente inútil, como devem ser as coisas que nos dão prazer.II - Comece a ler desde cedo, se puder. Ou pelo menos comece. E pelos clássicos, pelos consensuais. Serão cinqüenta, serão cem. Não devem faltar As mil e uma noites, Dostoiévski, Thomas Mann, Balzac, Adonias, Conrad, Jorge de Lima, Poe, García Márquez, Cervantes, Alencar, Camões, Dumas, Dante, Shakespeare, Wassermann, Melville, Flaubert, Graciliano, Borges, Tchekhov, Sófocles, Machado, Schnitzler, Carpentier, Calvino, Rosa, Eça, Perec, Roa Bastos, Onetti, Boccaccio, Jorge Amado, Benedetti, Pessoa, Kafka, Bioy Casares, Asturias, Callado,Rulfo, Nelson Rodrigues, Lorca, Homero, Lima Barreto, Cortázar, Goethe, Voltaire, Emily Brontë, Sade, Arregui, Verissimo, Bowles, Faulkner, Maupassant, Tolstói, Proust, Autran Dourado, Hugo, Zweig, Saer, Kadaré, Márai, Henry James, Castro Alves.III - Nunca leia sem dicionário. Se estiver lendo deitado, ou num ônibus, ou na praia, ou em qualquer outra situação imprópria, anote as palavras que você não conhece, para consultar depois. Elas nunca são escritas por acaso.IV - Perca menos tempo diante do computador, da televisão, dos jornais e crie um sistema de leitura, estabeleça metas. Se puder ler um livro por mês, dos 16 aos 75 anos, terá lido 720 livros. Se, no mês das férias, em vez de um, puder ler quatro, chegará nos 900. Com dois por mês, serão 1.440. À razão de um por semana, alcançará 3.120. Com a média ideal de três por semana, serão 9.360. Serão apenas 9.360. É importante escolher bem o que você vai ler.V - Faça do livro um objeto pessoal, um objeto íntimo. Escreva nele; assinale as frases marcantes, as passagens que o emocionam. Também é importante criticar o autor, apontar falhas e inverossimilhanças. Anote telefones e endereços de pessoas proibidas, faça cálculos nas inúteis páginas finais. O livro é o mais interativo dos objetos. Você pode avançar e recuar, folheando, com mais comodidade e rapidez que mexendo em teclados ou cursores de tela. O livro vai com você ao banheiro e à cama. Vai com você de metrô, de ônibus, e de táxi. Vai com você para outros países. Há apenas duas regras básicas: use lápis; e não empreste.
30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico


[continuação]VI - Não se deixe dominar pelo complexo de vira-lata. Leia muito, leia sempre a literatura brasileira. Ela está entre as grandes. Temos o maior escritor do século XIX, que foi Machado de Assis; e um dos cinco maiores do século XX, que foram Borges, Perec, Kafka, Bioy Casares e Guimarães Rosa. Temos um dos quatro maiores épicos ocidentais, que foram Homero, Dante, Camões e Jorge de Lima. E temos um dos três maiores dramaturgos de todos os tempos, que foram Sófocles, Shakespeare e Nelson Rodrigues.VII - Na natureza, são as espécies muito adaptadas ao próprio hábitat que tendem mais rapidamente à extinção. Prefira a literatura brasileira, mas faça viagens regulares. Das letras européias e da América do Norte vem a maioria dos nossos grandes mestres. A literatura hispano-americana é simplesmente indispensável. Particularmente os argentinos. Mas busque também o diferente: há grandezas literárias na África e na Ásia. Impossível desconhecer Angola, Moçambique e Cabo Verde. Volte também ao passado: à Idade Média, ao mundo árabe, aos clássicos gregos e latinos. E não esqueça o Oriente; não esqueça que literatura nenhuma se compara às da Índia e às da China. E chegue, finalmente, às mitologias dos povos ágrafos, mergulhe na poesia selvagem. São eles que estão na origem disso tudo; é por causa deles que estamos aqui.VIII - Tente evitar a repetição dos mesmos gêneros, dos mesmos temas, dos mesmos estilos, dos mesmos autores. A grande literatura está espalhada por romances, contos, crônicas, poemas e peças de teatro. Nenhum gênero é, em tese, superior a outro. Não se preocupe, aliás, com o conceito de gênero: história, filosofia, etnologia, memórias, viagens, reportagem, divulgação científica, auto-ajuda – tudo isso pode ser literatura. Um bom livro tem de ser inteligente, bem escrito e capaz de provocar alguma espécie de emoção.IX - A vida tem outras coisas muito boas. Por isso, não tenha pena de abandonar pelo meio os livros desinteressantes. O leitor experiente desenvolve a capacidade de perceber logo, em no máximo 30 páginas, se um livro será bom ou mau. Só não diga que um livro é ruim antes de ler pelo menos algumas linhas: nada pode ser tão estúpido quanto o preconceito.X - Forme seu próprio cânone. Se não gostar de um clássico, não se sinta menos inteligente. Não se intimide quando um especialista diz que determinado autor é um gênio, e que o livro do gênio é historicamente fundamental. O fato de uma obra ser ou não importante é problema que tange a críticos; talvez a escritores. Não leve nenhum deles a sério; não leve a literatura a sério; não leve a vida a sério. E faça o seu próprio decálogo: neste momento, você será um leitor.
30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico


Yiu Rojas

[continuação]Decálogo do autorPor Miguel Sanches NetoDepois de leitor, você pode se tornar, então, escritor– embora, pasme, muitos hoje pulem a leitura, por julgá-la dispensável, e já desejem publicarI - Não fique mandando seus originais para todo mundo.Acontece que você escreve para ser lido extramuros, e deseja testar sua obra num terreno mais neutro. E não quer ficar a vida inteira escrevendo apenas para uma pessoa. O que fazer então para não virar um chato? No passado, eu aconselharia mandar os textos para jornais e revistas literárias, foi o que eu fiz quando era um iniciante bem iniciante. Mas os jovens agora têm uma arma mais democrática. Publicar na internet. Há muitos espaços coletivos, uma liberdade de inclusão de textos novos e você ainda pode criar seu próprio site ou blog, mas cuidado para não incomodar as pessoas, enviando mensagens e avisos para que leiam você.II - Publique seus textos em sites e blogs e deixe que sigam o rumo deles. Depois de um tempo publicando eletronicamente, você vai encontrar alguns leitores. Terá de ler os textos deles, e dar opiniões e fazer sugestões, mas também receberá muitas dicas.III - Leia os contemporâneos, até para saber onde é o seu lugar. Existe um batalhão de internautas ávidos por leitura e em alguns casos você atingirá o alvo e terá acontecido a magia de um texto encontrar a pessoa que o justifica. Mas todo texto escrito na internet sonha um dia virar livro. Sites e blogs são etapas, exercícios de aquecimento. Só o livro impresso dá status autoral. O que fazer quando eu tiver mais de dois gigas de textos literários? Está na hora de publicar um livro maior do que Em busca do tempo perdido? Bem, é nesse momento que você pode continuar sendo um escritor iniciante comum ou subir à categoria de iniciante com experiência. Você terá que reduzir essas centenas e centenas de páginas a um formato razoável, que não tome muito tempo de leitura de quem, eventualmente, se interessar por um livro de estréia. Para isso,você terá de ser impiedoso, esquecer os elogios da mulher e dos amigos e selecionar seu produto, trabalhando duro para que fique sempre melhor.IV - Considere apenas uma pequenina parte de toda a sua produção inicial, e invista na revisão dela, sabendo que revisar é cortar. O livro está pronto. Não tem mais do que 200 páginas, você dedicou anos a ele e ainda continua um iniciante. Mas um iniciante responsável, pois não mandou logo imprimir suas obras completas com não sei quantos tomos, logo você que talvez nem tenha completado 30 anos. Mas você quer fazer circular a sua literatura de maneira mais formal. Quer o livro impresso. E isso é hoje muito fácil. Você conhece um amigo que conhece uma gráfica digital que faz pequenas tiragens e parcela em tantas vezes. O livro está pronto. E anda sobrando um dinheirinho, é só economizar na cerveja.V - Gaste todo seu dinheiro extra em cerveja, viagens, restaurantes e não pague a publicação do próprio livro. Se você fizer isso, ficará novamente ansioso para mandar a todo mundo o volume, esperando opiniões que vão comparar o seu trabalho ao dos mestres. O livro impresso, mesmo quando auto-impresso, dá esta sensação de poder. Somos enfim Autores. E podemos montar frases assim: Borges e eu valorizamos o universal. Do ponto de vista técnico, Borges e eu estamos no mesmo nível: produzimos obras impressas; mas a comparação não vai adiante. Então como publicar o primeiro livro se não conhecemos ninguém nas editoras? E aí começa um outro problema: procurar pessoas bem postas em editoras e solicitar apresentações. Na maioria das vezes isso não funciona. E, mesmo quando o livro é publicado, ele não acontece, pois foi um movimento artificial.
30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico


[continuação]VI - Nunca peça a ninguém para indicar o seu livro a uma editora. Se por acaso um amigo conhece e gosta de seu trabalho, ele vai fazer isso naturalmente, com alguma chance de sucesso. Tente fazer tudo sozinho, como se não tivesse ninguém mais para ajudar você do que o seu próprio livro. Sim, este livro em que você colocou todas as suas fichas. E como você só pode contar com ele...VII - Mande seu livro a todos os concursos possíveis e a editoras bem escolhidas, pois cada uma tem seu perfil editorial. É melhor gastar seu dinheiro com selos e fotocópias do que com a impressão de uma obra que não será distribuída e que terá de ser enviada a quem não a solicitou. Enquanto isso, dedique-se a atividades afins para controlar a ansiedade, porque essas coisas de literatura demoram, demoram muito mesmo. Você pode traduzir textos literários para consumo próprio ou para jornais e revistas, pode fazer resenhas de obras marcantes, ler os clássicos ou simplesmente manter um diário íntimo. O importante é se ocupar. Com sorte e tendo o livro alguma qualidade além de ter custado tanto esforço, ele acaba publicado. Até o meu terminou publicado, e foi quando me tornei um iniciante adulto. Tinha um livro de ficção no catálogo de uma grande editora. E aí tive de aprender outras coisas. Há centenas de livros de iniciantes chegando aos jornais e revistas para resenhas e uma quantidade muito maior de títulos consagrados. E a maioria vai ficar sem espaço nos jornais. E é natural que os exemplares distribuídos para a imprensa acabem nos sebos, pois não há resenhistas para tantas obras.VIII - Não force os amigos e conhecidos a escrever sobre seu livro. Não quer dizer que eles não possam escrever, podem sim, mas mande o livro e, se eles não acusarem recebimento ou não comentarem mais o assunto, esqueça e não lhes queira mal, eles são nossos amigos mesmo não gostando do que escrevemos. Se um ou outro amigo escrever sobre o livro, festeje mesmo se ele não entender nada ou valorizar coisas que não julgamos relevantes em nosso trabalho. E mande umas palavras de agradecimento, pois você teve enfim uma apreciação. E se um amigo escrever mal de nosso livro, justamente dessa obra que nos custou tanto? Se for um desconhecido, ainda vá lá, mas um amigo, aquele amigo para quem você fez isso e aquilo.IX - Nunca passe recibo às críticas negativas. Ao publicar você se torna uma pessoa pública. E deve absorver todas as opiniões, inclusive os elogios equivocados. Deixe que as opiniões se formem em torno de seu trabalho, e talvez a verdade suplante os equívocos, principalmente se a verdade for que nosso trabalho não é lá essas coisas. O livro está publicado, você já pensa no próximo, saíram algumas resenhas, umas superficiais, outras negativas, uma muito correta. Você é então um iniciante com um currículo mínimo. Daí vocêrecebe a prestação de contas da editora, dizendo que, no primeirotrimestre, as devoluções foram maiores do que as vendas. Como isso é possível? Vejam quantos livros a editora mandou de cortesia. Eu não posso ter vendido apenas 238 exemplares se, só no lançamento, vendi 100, o gerente da livraria até elogiou – enfim uma vantagem de ter família grande.X - Evite reclamar de sua editora. Uma editora não existe para reverenciar nosso talento a toda hora. É uma empresa que busca o lucro, que tem dezenas de autores iguais a nós e que quer ter lucro com nosso livro, sendo a primeira prejudicada quando ele não vende. Não precisamos dizer que é a melhor editora do mundo só porque nos editou, mas é bom pensar que ocorreu uma aposta conjunta e que não se alcançou o resultado esperado. Mas que há oportunidades para outras apostas e, um dia, quem sabe...Foi tentando seguir estas regras que consegui ser o autor iniciante que hoje eu sou.
30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico


Yiu Rojas

[continuação]Decálogo do críticoPor Michel LaubLer por obrigação, ganhar pouco, ser odiado por autores criticados ou ignorados por você. Ante tantos dissabores, saiba para que serve, afinal, fazer crítica literáriaI - Um bom começo pode ser a leitura de O imperador do vinho, de Elin McCoy, a biografia do americano Robert Parker. Trata-se da figura mais polêmica do universo milionário da enologia. Uma nota alta na The Wine Advocate, sua newsletter, é capaz de enriquecer um fabricante; uma nota baixa pode significar a falência. O olfato de Parker é segurado em cerca de US$ 1 milhão. Ao longo dos anos, percebeu-se que ele gostava de vinhos frutados. Muitas propriedades, até algumas tradicionais da França, passaram a chamar especialistas para estudar o solo, mudar a forma do plantio e da colheita, tudo para colher uvas que originassem vinhos adequados a esse gosto.II - Saiba que esse talvez seja o exemplo máximo de crítico bem-sucedido no mundo de hoje – rico de fato, influente de fato, uma presença de fato essencial em seu meio. Quase todos os outros profissionais da categoria, trabalhem eles com música, cinema, gastronomia, televisão ou concursos de beleza, estão bem mais próximos da figura descrita por George Orwell em Confissões de um resenhista: “Trinta e cinco anos, mas aparenta cinqüenta(...) [trabalha num] conjugado frio, mas abafado (...). Dos milhares de livros que aparecem todo ano, é quase certo que existam 50 ou 100 sobre os quais teria prazer em escrever. Se for de primeira categoria na profissão, pode conseguir dez ou vinte. É mais provável que consiga dois ou três”.III - Ou seja, prepare-se para uma atividade enfadonha e mal-remunerada. Você lerá só por obrigação. Nunca mais irá atrás de um livro indicado por um amigo. Nunca mais fechará um livro com a sensação de que, para o bem ou para o mal, não há nada a dizer sobre ele. Porque sempre haverá o que dizer. Se não houver, as contas não são pagas.IV - Não se preocupe, porém. Há muitos truques para encher essas páginas em branco. Se você quer desancar um livro e não sabe como, recorra a alguns adjetivos algo abstratos em se tratando de literatura, mas ainda assim úteis numa resenha. A timidez, por exemplo. Argumente que o autor não explora suficientemente os conflitos de sua obra. Afinal, explorar conflitos é uma tarefa que não tem fim, e há um momento em que todo autor, por mais extrovertido que seja, precisa parar. Outros chavões sempre à mão: excesso de objetividade,excesso de subjetivismo, excesso de frieza, excesso de dramaticidade. A categoria das “idéias fora de lugar”, deslocada de seu contexto original, também ajuda bastante. Um romance correto, instigante e envolvente pode ser atacado por reproduzir um modelo “burguês” de contar histórias, incompatível com o nosso tempo. Um romance sem essas características pode ser destruído, justamente, por ser mal-escrito e não envolver o leitor.V - Para o caso contrário, isto é, se você quer elogiar um livro que acha ruim – o das linhas finais do item IV, por exemplo –, há dois recursos clássicos: a) em relação à prosa desagradável, escatológica e/ou ilegível, diga que ela reproduz o incômodo e a irredutibilidade de sentidos do mundo contemporâneo; b) em relação à trama caótica e fragmentária, quando não se entende o que é início, o que é fim e do que é mesmo que estamos falando, afirme que a maçaroca reproduz, como uma “metáfora estrutural”, o caos fragmentário da sociedade pós-industrial.
30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico


[continuação]VI - Usando desses truques, você está pronto para fazer nome devido à afinação com o vocabulário crítico de sua época. Mas se, por um desses acasos raros, você está decidido a realmente dizer o que pensa, há também dois caminhos a seguir. O primeiro é confiar cegamente nos seus juízos pessoais, não temendo a exposição de seus preconceitos íntimos em público. Assim, você terá mais chances de ser considerado um sujeito ranheta, excêntrico e/ou pervertido.VII - O segundo caminho é considerar-se portavoz de um “sistema”, para o qual são válidas mesmo obras que não são do seu agrado (por questões sociológicas, por exemplo). Mesmo que os motivos sejam nobres – sua humildade para não se considerar o juiz definitivo sobre o que é ou não relevante em termos estéticos –, há boas probabilidades de você ser visto como um crítico sem alma, sem coragem, sem graça.VIII - Independentemente de sua escolha, é inevitável que você seja desprezado. Todos dirão que seu desejo secreto era ser ficcionista ou poeta, que você é leviano demais, complacente demais, que tem algum interesse obscuro – ascender na carreira, agradar aos pares da universidade, arrumar um(a) namorado(a) – ou está a soldo de alguma entidade obscura – grupos literários rivais, editores, maçons, seitas religiosas, partidos políticos de esquerda (se você escrever numa pequena publicação) ou de direita (se receber salário de alguma corporação de mídia).IX - Mais que isso: você será odiado. Pelos autores que você desanca. Pelos autores que você ignora. Pelos autores que você elogia (os motivos serão sempre os errados, na opinião deles). Pelos outros críticos. Por boa parte do público, mesmo por aquele que o lê com freqüência.X - Mas se, apesar de tudo isso, você ainda insiste em abraçar a profissão, é bom se perguntar o motivo. Quando criança, usando o olfato, Robert Parker era capaz de listar todos os ingredientes dos pratos que estavam sendo cozinhados na vizinhança, habilidade que o tornaria um campeão absoluto dos “testes cegos” de identificação de uvas e safras. Isso se chama vocação. É o seu caso? Você se sente preparado para conjugar erudição e capacidade interpretativa em tamanha escala? Sendo a resposta afirmativa, trata-se de uma ótima notícia. Não só para você, que talvez tenha achado um modo honesto de ganhar a vida, mas para o próprio meio literário. Porque não há nada de que ele necessite mais, hoje ou em qualquer tempo: alguém que o ajude a firmar tendências, corrigir rumos, separar o joio do trigo. Diferentemente do que se diz, um crítico autêntico não é apenas o advogado do público. Ele é, em última instância, o maior defensor da própria literatura.